'Felizes para sempre?' tem frescor e ótimo elenco

Releitura de “Quem ama não mata”, de 1982, “Felizes para sempre?” estreou  na Globo pelas mãos do mesmo autor, Euclydes Marinho, e dirigida por Fernando Meirelles, da O2. A trama é ambientada em Brasília, que vimos do alto, em imagens feitas com drones, através das janelas de carros, e en passant. A locação colaborou para atribuir à trama uma conexão com o realismo, mas as atenções estão mesmo na esfera privada, nos ambientes fechados e no terreno psicológico. Essa ideia de intimidade encontra um paralelo também no elenco compacto. É um acerto do programa e ajuda na instantânea conexão do telespectador com aqueles personagens.

Todo esse movimento em direção ao que é particular foi ainda mais longe na primeira noite ao mirar principalmente num casal, Marília (Maria Fernanda Cândido) e Cláudio (Enrique Diaz). Ele é um canalha típico; ela, uma moça triste e que ainda busca salvar o casamento. Ela não entende bem por que, mas a relação vai mal. Sua mobilização para resgatar o que imagina ter perdido, e a dele, para fingir que faz parte desse esforço, os leva ao consultório de uma psicanalista (Bel Kowarick) e à decisão de contratar uma prostituta para um ménàge. “Felizes para sempre?” acerta quando não se desvia de um certo lugar-comum. “Casamento é paciência”, concordam Norma (Selma Egrei) e Dionísio (Perfeito Fortuna), os pais de Cláudio e de seus irmãos, também personagens centrais. Nesses momentos, o texto acerta o público com sua verdade e despretensão. O parentesco dos personagens retratados com pessoas que todo mundo já conhece é o que traz uma dimensão humana positiva ao programa.

Tudo isso, entretanto, é às vezes esfriado pela tentação de fazer um plano mais estiloso. Um exemplo disso foi o consultório da psicanalista, mais parecido com o cenário de uma antiga propaganda da Brastemp. Essa afetação eventualmente contagiou o roteiro, como na sequência absurda em que um casal anuncia sua separação num jantar de comemoração de família. O instante final, com Paola Oliveira se apresentando como Danny Bond, que pecou pela hiperencenação que deixa tudo artificial.

Noves fora, no entanto, o resultado geral foi excelente. A estreia impressionou ainda pelas cenas de nudez — nunca gratuitas —, pela fotografia elegante e pelas atuações impecáveis do elenco como um todo. Enrique Diaz brilhou, e muito. O personagem cínico deu a ele a chance de trabalhar sempre em duas narrativas simultâneas — a da verdade e a daquilo que tenta esconder. Maria Fernanda Cândido acertou no desamparo e na fragilidade de sua Marília. Selma Egrei e Perfeito Fortuna foram presenças fundamentais e promissoras. O mesmo vale para Adriana Esteves, João Miguel, Carol Abras e João Baldasserini.

Vale dizer que o regime de coprodução traz um frescor automático para a TV, do elenco à luz. “Felizes para sempre?” merece toda a atenção do público.

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